quarta-feira, 7 de maio de 2008

Terror

A cena deu-se nos territórios de uma igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Foi durante uma quermesse (festa parecida com a festa junina, porém precedida por uma missa) que eu vi o que mais me marcou o coração e a memória até hoje.
Estava contente com a efeméride de estar em uma festa que havia sido muito bem falada por meu tio (o que, com certeza a colocou no patamar de 'ótima festa', pois tenho um tio levemente exigente, por assim dizer), enquanto tomava um guaraná e trazia nas mãos um churrasquinho que acabara de comprar, andava em direção à mesa onde meus amigos estavam acomodados. Repentinamente, surgiram duas figuras que me chamaram a atenção.
Tratava-se de uma mulher de olhos fundos e negros que carregavam uma expressão perturbada, tinha cabelos loiros mal ajambrados na cabeça e nariz adunco, vestia uma calça preta e um paletó de veludo marrom aparentemente muito usado, e puxava pelo braço com uma espécie de agressividade mal disfarçada, um garoto de aproximadamente onze anos, com cabelos pretos e olhos de um azul cálido.
Era possível sentir o ódio nos gestos da mulher, enquanto desfilava com a criança entre a multidão de pessoas esperando por seus cachorros quentes na frente duma barraquinha.
A palidez e traços desfigurados pela raiva acentuavam sua figura pantagruélica, que fazia contraste com as delicadas feições do menino arrastado.
Já sentada a mesa, eu os observava com o cuidado de não ser percebida e mantinha a mão no bolso onde guardava o celular, pois um pressentimento ruim assombrava-me o pensamento.
Passaram-se cerca de cinto minutos desde o momento em que avistara a estranha criatura torcendo discretamente o braço do garoto, mas não a perdera de vista e podia analisá-la enquanto o arrastava para um lugar menos lotado.
Foi quando ele projetou um soco para cima para tentar livrar-se da tirana. Ela virou-se para ele rapidamente, esboçando um sorriso de satisfação em seu rosto desfigurado.
Hora de entrar entrar em ação.
No exato momento em que saquei o celular, a mulher pôs-se a espancar o garoto na frente dos poucos que ali estavam, já que alcançara um local mais afastado do centro da festa.
Enquanto eu discava o número da polícia, via-o ficando vermelho, asfixiado por aqueles terríveis tentáculos... Lágrimas de pena e raiva rolavam involuntariamente em meu rosto.
Falei com meus amigos para que alguém segurasse aquela perturbada antes que ela cometesse um assassinato e logo dois deles se encarregaram do trabalho. Enquanto isso eu gritava ao telefone para que a polícia entendesse o que se passava no meio de tantos ruídos.
Depois de muitas repetições, o policial entendeu a situação e disse que mandaria uma patrulha imediatamente para o local.
Tratei de correr para o garoto e levá-lo para dentro da igreja, onde estaria seguro junto com o padre e outras crianças, enquanto a mulher se dizia mãe dele e esperneava aos berros, repetindo que queria o filho perto dela.
Minha vontade era ir até o fim do caso, mas fui parada por motivo de força maior: um telefonema da minha mãe ordenando-me que voltasse para casa imediatamente, pois ouvira no rádio sobre o ocorrido naquela festa.
Por um momento odiei esta história de mundo globalizado e comunicação em tempo real.
Falei com meus quatro amigos que ainda estavam na mesa e os instrui para guiar a polícia até a mulher e não deixar que ela fugisse. Dei uma passada na igreja, onde o garoto era salpicado de água benta pelo padre, e onde mães de outras crianças o consolavam entre seus abraços e palavras doces.
Fiquei mais tranqüila em saber que estava em boas mãos e que a maluca não saíria imune e me dirigi para a saída da festa pois não desejava causar preocupação em casa e sabia que tudo saíria bem na igreja com a ajuda de meus amigos e dos seguranças.
Naturalmente, eu já sabia que existem pais e mais que fazem coisas horríveis com os filhos (o caso da Isabela e do austríaco Josef Fritzl, são exemplos extremos desta violência), mas é muito diferente da sensação de presenciar uma cena dessas.
Quem acha que existe um inferno depois da vida terrena não precisa se preocupar, já estamos nele, pior do que isto não fica.
Basta uma situação adversa e o homem vira bicho outra vez, não adianta alegar que somos civilizados e humanizados, se faltar comida pode ter certeza que não vai existir cortesia nenhuma, a não ser no máximo entre relações de pais e filhos, e isto é fato.
O difícil é imaginar que seja possível (e freqüente) a desumanização de um pai com o próprio filho, sem fator agravante, sem situação adversa, apenas a loucura de um ser desiquilibrado sendo descarregada em seus pobres descendentes.
Vivemos mesmo em um mundo de loucos.

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